sábado, 5 de novembro de 2011

O dilema de assinar um pacto com Satã! - Crítica do livro "Pacto Secreto"

Embora o romance Pacto Secreto, de Eliane Quintella, publicado pela Novo Século, na Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira, seja a obra de estreia da autora, ele demonstra a desenvoltura e a capacidade de envolvimento de uma ficcionista profissional veterana, com todos os talentos que isso implica. Como uma profissional

calejada, Eliane Quintella não se preocupa em criar uma obra de arte complexa e multifacetada, incompreensível a não ser por uma reduzida elite intelectual. Ao contrário disso, ela se dirige a um amplo público-alvo determinado, o grande público culto preocupado com questões existenciais.
Seu livro é ao mesmo tempo gostoso de ler e questionador de nossas crenças mais profundas. Embora seja um agradável entretenimento, com uma trama intrigante que envolve os delicados arranjos emocionais de uma vida em família, e que é simultaneamente um romance de mistério, de suspense e a respeito do sobrenatural, também é uma obra que faz pensar sobre os problemas que cada um de nós vive, sempre a meio caminho entre o bem e o mal e sempre tentando nos colocar além tanto do bem quanto do mal.
Trata-se de uma jovem, como se costuma dizer, de boa família, que entra em contato com um enviado de Satã (na obra, se optou pela grafia Satan), que lhe propõe um pacto: ela poderá cumprir seus grandes sonhos em troca de... do quê mesmo? De entregar a alma a Satã?
É uma velha questão essa, de se obter o bem pessoal em troca de se fazer um acordo com o senhor do mal.
Mas Eliane Quintella consegue tanto dar vida nova a esse mito tradicional como levantar questões mais profundas. Enquanto desenha todas as delicadas vivências emocionais e éticas da vida de uma família abalada por uma tragédia, a autora faz leitor e leitoras se depararem com questões candentes: se Deus é sumamente bom, por que permite que haja tantos males na vida terrena? Se há uma Justiça Divina, por que neste mundo muitas vezes os bons são castigados e os maus são premiados?
E acima de tudo: é lícito altruisticamente se obter o bem para outrem que está sofrendo, em troca de o benfeitor sofrer o mal de entregar a alma a Satã? Como se vê, a autora criou uma alegoria muito bem escrita, uma história muito bem contada em que reconhecemos perfeitamente o nosso cotidiano nas dores e alegrias dos personagens, um drama que todo mundo entende, para discutir a questão ética mais aguda que a humanidade sempre enfrentou, continua enfrentando e vai enfrentar para sempre: a nobreza dos fins justifica quaisquer meios para obtê-los?
Autora Eliane Quintella autografa sua obra,
editada pela Novo Século.
 - Arquivo Pessoal
Mas Eliane Quintella propõe essa questão tão árdua de um modo prazeroso: uma narrativa intrigante e envolvente, em que as grandes questões da vida e da morte parecem depender de pequenos gestos no cotidiano, de decisões imediatas que todo mundo não só é capaz de tomar, como todo mundo tem de enfrentar a cada momento, de modo que é muito fácil e muito agradável identificar-se com seus e suas personagens.
Fica bastante claro que, ao contrário de muitos autores e muitas autoras estreantes, ela não romanceou sua própria vida, num romance de formação. Pelo contrário, ela é dona de uma fabulação literalmente fabulosa.

Se o mito do pacto com Satã é tão antigo quanto a própria noção de religião, e se esse tema já foi tão explorado por grandes escritores e também por escritores menores, o fato é que Eliane Quintella criou uma galeria de tipos inesquecíveis, de sua pura e livre invenção, imaginativa e criativa.
A autora tem duas qualidades que raramente se combinam numa estreia: tanto ela escreve muito bem, de uma maneira clara e bem ritmada, agradável não só à mente, como também aos ouvidos, como ainda ela é dona de uma grande imaginação. Igualmente ao contrário de muitos estreantes, ela não quer revolucionar a literatura e sim, como uma verdadeira escritora profissional veterana, proporcionar momentos úteis e agradáveis a seu público.
Do ponto de vista objetivo, essa nova escritora sabe espicaçar a curiosidade de seu leitor e de sua leitora, que sempre ficam querendo saber como a história vai continuar e o que vai acontecer com cada personagem. Do ponto de vista subjetivo, essa escritora consumada se envolve tanto com seus personagens que não consegue abandoná-los. Já estão prontos para serem publicados o segundo e o terceiro volumes do que se propõe ser uma saga, Prazer Secreto e História Secreta. Façamos um pacto com a autora para auferir o prazer de ler uma boa história.

Renato Pompeu

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